“Talvez a jornada da vida não seja sobre se tornar alguém. Talvez seja sobre deixar de ser tudo aquilo que você não é, para que você possa ser o que você sempre foi.” – Paulo Coelho
Quantas chaves você tem?
Lembro como se fosse hoje: eu era o último a sair e estava fechando o escritório. Era uma das minhas tarefas como “dono”.
Todo mundo já tinha saído, então eu ia apagando as luzes, checando se as janelas estavam trancadas, fechando as portas, desligando os computadores.
Era uma agência de marketing direto e tínhamos umas 12 pessoas na equipe. As salas vazias davam sempre uma sensação estranha: pouco tempo atrás aquilo estava vibrante, cheio de energia, pessoas falando, coisas sendo produzidas, ideias discutidas. Risadas, conversas, cheiro de café.
“Isso é vida”, como diria minha mãe. Sinais de que tinha gente ali.
Agora, sozinho, eu passava por cada sala, olhava as cadeiras, sabia o lugar e o nome de cada um, o que estavam fazendo, o que eu tinha que cobrar no dia seguinte e de quem.
Embora solitária eu gostava daquela rotina. As pessoas não estavam fisicamente na sala, mas estavam ali em presença.
Eu ia repassando mentalmente cada uma das presenças e anotando o que precisava revisar no dia seguinte.
Como tínhamos a eterna questão da segurança, a última porta parecia um filme. Tinha grade com cadeado, chave dupla (uma em cima, outra embaixo), eu precisava fechar tudo isso correndo, porque se eu não fizesse tudo aquilo em 30 segundos, disparava o alarme.
No começo aquilo era um suplício – é incrível como a simples pressão do tempo às vezes nos transforma em patetas. Eu confundia as chaves, derrubava o cadeado no chão, fechava uma coisa e depois tinha que abrir porque tinha esquecido de fechar a outra… era um jogo de acertos e erros e, eu errava bem mais do que acertava.
O alarme disparava tantas vezes que fiquei amigo da pessoa da central de segurança que ligava para checar se estava tudo ok. “Está, desculpe, pode ficar tranquilo.” Várias vezes por semana, aquilo era um suplício.
Não era mais só a pressão do tempo: era meu cérebro me cobrando para não errar. Conversa mental não muito positiva que traz resultados não muito positivos.
Com o passar do tempo, fui ficando craque. O alarme já não disparava quase todas as noites por incompetência minha. Pelo contrário – podia fazer aquilo de olhos fechados. Já tinha organizado tudo, colocado as chaves em ordem, sabia exatamente a ordem de tudo. Tinha virado rotina e hábito.
A pessoa da central já nem sabia quem eu era. Melhor assim?
A questão é que, em paralelo, eu fui colecionando chaves. Achava aquilo normal, tinha umas 8 ou 9 chaves, todas diferentes, presas numa argola de um chaveiro há muito tempo perdido.
Normal até o dia em que li um texto que mudou minha vida. De verdade.
O autor começava falando que chaves não são para abrir. São para fechar.
Então, quanto mais chaves você tem na sua vida, mais coisas está fechando.
No texto, ele dizia ter decidido viver sem chaves, assim estava aberto a mais coisas na vida.
Eu lembro de ter lido o texto, achado interessante, mas não caiu nenhuma ficha. Nada de especial. Até que chegou a hora de fechar o escritório. E eu ali, com todas aquelas chaves, fechando – uma por uma – todas as portas.
Lembro que aquele dia foi diferente: terminei de fechar tudo, alarme ligado, tudo ok. E eu sentado na calçada, alerta (pela questão da segurança) mas pensando “estou preso”. Como aquilo tinha acontecido?
Eu tinha decidido ser empresário porque justamente queria liberdade. E aquilo era o contrário – eu não me sentia nem um pouco livre. Estava preso (e fechando).
Ali a coisa pegou. Não tinha liberdade para nada. Meus horários, meus dias, as coisas que eu tinha que fazer, o que se esperava de mim… não era mais escolha minha. Era um papel que eu tinha que representar e eu já sabia exatamente o que tinha que fazer.
Era um rio que estava me levando e eu não era nem uma canoa. Era um pedaço de pau sendo levado pela correnteza. Era uma boia, que subia e descia conforme a maré e que achava que tinha personalidade porque estava em movimento naquele sobe e desce.
Era o que eu chamo do ‘Raul Robô’, o R2. Você obviamente pode adaptar para seu nome, mas já deve ter acontecido isso com você também. Uma versão robotizada de você mesmo/a.
Você já sabe o que fazer e até faz, mas é só seu corpo que está ali. A cabeça e, principalmente, a alma, estão em outro lugar. Enquanto isso, você está boiando e sendo levado pela correnteza, subindo e descendo com a maré.
É aquela criança que está vendo uma aula chata e olha pela janela, para fora, para o céu azul, para a liberdade, e se perde em pensamentos, onde sonha acordada com algo mais interessante, mais emocionante, mais vivo (e menos robô). E aí leva bronca porque não estava prestando atenção.
A criança está presa naquela sala. Você é adulto – não precisa estar. (Tenho certeza de que seu cérebro adulto já começou a se rebelar contra essa frase, citando de maneira muito racional e analítica todas as obrigações de adulto que você tem. Já vamos falar sobre isso).
Uma semana depois vendi, a preço de banana, a agência para minha sócia na época. Foi onde nasceu, de verdade, a VendaMais. Foi o momento em que decidi ser mais livre, menos preso, menos robô, mais eu e menos os outros. Deixei um monte de dinheiro na mesa, mas foi a melhor coisa que poderia ter feito. Liberdade, literalmente, não tem preço.
Isso acontece em muitos momentos da nossa vida. Aconteceu no meu primeiro casamento. Fui um marido robô em vários momentos (até na hora de transar – você já transou estilo robô? Não é muito bom).
Acontece quando estou em compromissos sociais que não me interessam. Sei ser agradável, sei jogar o jogo, mas não é o Raul de verdade. É o R2. Passa raspando na média.
A Marília, que é a pessoa que mais me conhece no mundo, sabe já de longe que estou no R2, só de me olhar ou ouvir. É o que ela hoje chama da versão ChatGPT. Correta, polida, rápida, superficial, falsa.
O olho está aberto, mas não vê nem brilha. O ouvido ouve, mas não escuta. O corpo está ali, mas a alma não.
R2 é a boia subindo e descendo, o pedaço de pau sendo levado pelo rio.
Porque o R2 é sempre uma máscara. É a máscara de quem está preso e acha que tem que ficar. Que, por um motivo ou outro, não enfrenta aquele tédio, aquela falta de energia vital, aquele vampiro energético, aquele parasita da alma.
Passei então a estudar isso como forma de entender e melhorar a performance. Pergunta interessante: dá para ter alta performance sendo robô?
A resposta é SIM, dá. Inclusive, encontramos isso com alta frequência. Inclusive, é uma das grandes desculpas e justificativas do processo.
Só que a pessoa está destruída por dentro. A máscara por fora até é boa. A essência por dentro… toda corroída.
Ou seja: dá para ter alta performance sendo robô, mas não é sustentável. R2 tem sucesso (por fora) mas o preço que paga (por dentro) acaba lhe pegando. Uma hora o crédito acaba e tem que pagar a conta.
É um jogo onde você corre contra a bomba relógio da morte interna.
“Vou alcançar X antes de morrer por dentro”. Esse é o jogo que está sendo jogado quando viramos versões robotizadas de nós mesmos.
Acaba sendo uma prisão, porque não é mais você: é uma versão falsificada de você mesmo.
Dan Sullivan, que é coach de coaches e há muito tempo trabalha com pequenos e médios empresários, tem uma teoria bem interessante sobre isso e que tenho trabalhado em mentorias. São 4 as liberdades do empresário, para ele (e nessa ordem):
- Liberdade financeira;
- Liberdade de atividades;
- Liberdade de relacionamentos;
- Liberdade de propósito.
A última é a mais importante, mas não acontece sem as anteriores. Então é quase como se fosse uma escada: você vai subindo um degrau de liberdade, passo a passo, escapando de maneira gradativa da prisão que nós mesmos construímos em nome da alta performance e, principalmente, do sucesso financeiro e do reconhecimento e status social.
Para terminar, um conceito muito importante: liberdade e sucesso NÃO SÃO EXCLUDENTES.
Pelo contrário: isso é um grande mito. Você pode muito bem ter sucesso e ser LIVRE nas 4 dimensões.
- Pode ter dinheiro.
- Pode escolher o que fazer.
- Pode escolher com quem se relacionar.
- Pode escolher a quais projetos se dedicar e onde colocar seu foco e energia.
Você pode ser um adulto e ser livre. Pode ser empresário/a e ser livre. Não é para isso que escolhemos sermos empreendedores? Para definirmos nossas próprias regras, nosso destino?
Quando é que isso mudou? Em qual momento aceitamos fazer a troca? A partir de quando achamos que eram excludentes e que precisamos abrir mão de uma coisa para ter a outra?
A questão toda é entender que isso é uma ESCOLHA. E que, se não escolhemos, quem escolhe por nós são os outros, a sociedade, as regras, o que se ‘espera de nós’ porque esse é o padrão do grupo que vivemos.
Na Psicologia Positiva, dizemos que alegria e realização vêm de três componentes: autonomia, maestria e propósito.
Autonomia é a PRIMEIRA. Liberdade é justamente isso: AUTONOMIA.
Pergunta: como se castiga pessoas, em qualquer sociedade, que não cumpriram normas, regras ou lei? Com a privação da liberdade.
E muitas vezes estamos fazendo justamente isso com nós mesmos. São correntes muitas vezes invisíveis, mas nem por isso deixam de ser correntes. E como são invisíveis, as pessoas vão empilhando essas correntes nas suas vidas.
Se tivéssemos óculos especiais daqueles de raio x que permitisse ver correntes invisíveis, a pessoa estaria soterrada, amarrada por todos os lados, arrastando para onde vai uma sombra gigantesca de 200 toneladas de microcompromissos que lhe limita, prende, pesa.
Mas como somos gigantes, o que fazemos? Falamos: coloca mais peso aí. Eu aguento. E aguenta mesmo. Só que é a versão soterrada de você mesmo/a.
Imagine a cena ou foto: você. Só você. E você, preso por várias cordas ou correntes invisíveis. Qual é sua versão hoje?
É uma pergunta que tenho feito com frequência e que tenho trabalhado muito nas mentorias:
“Isso nos dá mais liberdade? Em qual das dimensões? E como afetas as outras?” (Porque estão todas interligadas e esquecer disso nos prende ainda mais).
É o meu #parapensar da semana
Não controlamos o que nos acontece, mas podemos sempre controlar nossa resposta ao que nos acontece.
Principalmente, o número de chaves que temos, tanto as de abrir quanto as de fechar. Hoje só tenho duas chaves (casa e carro). E você, quantas tem?
Às vezes ficamos esperando que alguém venha destrancar nossa vida trancada. Alguém que nos tire do ‘R2’ e resgate o ‘R1’. Essa é uma porta que se abre por DENTRO. Só você pode fazer isso.
Lembre-se: correntes invisíveis continuam sendo correntes.
Você colocou ali por algum motivo. Você decidiu carregar. Você decidiu fazer a troca. A questão é se realmente está valendo a pena e, principalmente, se não tem um caminho melhor – mais livre.
Deixar de ser quem você não é – essa é a verdadeira liberdade.
Abraço, boa $emana,
Raul Candeloro
Diretor
www.vendamais.com.br
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